Postado por Jhonathan Pereira
25/09/2020

Educação de crianças com deficiência enfrenta contrastes e incertezas para o pós pandemia

Interrupção das aulas presenciais é um dos efeitos provocados pela pandemia no momento em que elas precisam seguir com os progressos já adquiridos anteriormente
Entre os tantos desafios já existentes na rotina de uma criança com deficiência, está posto mais um. A medida de isolamento social que começou no estado de São Paulo em março de 2020, com o objetivo de conter a disseminação do coronavírus, afetou de maneira assolada a rotina dessas crianças. Estratégias do governo em estabelecer o vínculo entre professores e alunos sem deficiência, destaca-se a urgência de restabelecer um modo de operar, de funcionar, de retomar aquilo que havia sido planejado.

Para muitas crianças essa medida imposta pode não fazer muito sentido. Elas podem não entender o porquê de se isolar ou não conseguem dar concretude às possíveis consequências da doença causada pelo vírus. Muitas vezes, o isolamento pode ampliar a sensação de não pertencimento ou causar impactos na saúde mental delas. É o que garante o Prof. Dr. Guilherme Polanczyk, associado de psiquiatria da infância e adolescência da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

O médico aponta que crianças com necessidades específicas representam um grupo mais vulnerável às consequências negativas da pandemia. “Elas, em geral, necessitam de tratamentos intensivos e a interrupção dos tratamentos é um fator de risco para o agravamento do quadro e a perda de funções já adquiridas”. "E do ponto de vista do Estado, é importante garantir o atendimento dessa crianças em situações como a que nós estamos vivendo". O professor prevê o atendimento do Estado como um serviço indispensável durante essa fase.
“O cuidado e atenção que necessitam geralmente não é atendido. Sem tratamentos e acomodações devidas, o quadro clínico tende a piorar”
O crescimento das práticas educacionais inclusivas se deu a partir da abordagem fundamentada no respeito pelo direito das pessoas com deficiência e no reconhecimento de que a participação na sociedade tem efeitos importantes para o desenvolvimento de toda criança (UNICEF, 2013), com e sem deficiência. A omissão do governo poderá configurar infração a Lei Brasileira de Inclusão - 13.146/15, bem como ao Tratado de Salamanca e a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

A respeito das ações que a Diretoria Regional de Ensino da Região Centro Sul tem feito, foi garantido que estão empenhados em manter o atendimento a todos os alunos e com isso, vem fortalecendo as ações nas unidades. Atualmente a região tem 601 alunos público-alvo da Educação Especial. “Para garantir a continuidade dos estudos em meio à pandemia, a Equipe de Educação Especial da DRE orientou as equipes escolares a adaptar os conteúdos desenvolvidos no dia a dia dos alunos” - Assessoria de Comunicação e Imprensa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

Em maio, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) lançou uma cartilha com material voltado para pais e responsáveis para o acompanhamento escolar de crianças com deficiência durante a quarentena. A cartilha é online e conta com interpretação em Libras. O material foi elaborado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD) com colaboração da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) e visa oferecer algumas estratégias para auxiliar os pais/responsáveis pelas crianças com deficiência no acompanhamento escolar, num momento onde várias modificações de rotinas, papéis e comportamentos vêm acontecendo. “Sensíveis” à necessidade das famílias, as equipes mencionadas buscam ou estão tentando participar da oferta de soluções aos desafios que surgem nesse novo momento em sociedade.

Já no mês de junho, com o intuito de promover o conhecimento a respeito da educação inclusiva no contexto da pandemia da Covid-19, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação lançou um guia para informar como agir, cobrar e trabalhar pela educação de maneira colaborativa. Foram reunidas diversas organizações que atuam em prol da educação brasileira inclusiva, como Escola de Gente, Mais Diferenças e o COLETIVXS para elaborar essa cartilha.

O conteúdo é voltado para profissionais e a comunidade que se interessam em ajudar de alguma forma as pessoas com deficiência diante do cenário de pandemia no qual estamos vivendo. Além de apresentar recomendações internacionais da área educacional para a inclusão desses estudantes, artigos da legislação brasileira referentes ao tema e como o poder público e as escolas têm se mobilizado.

Recentemente duas redes públicas de ensino estão demonstrando bastante reflexão e empenho para estabelecer vínculo com estudantes e seus familiares, diminuir a evasão e garantir o acesso de todos aos recursos disponibilizados pelas escolas e a participação de todos às atividades remotas: secretarias municipais de educação de São Paulo e de Cruzeiro, ambas no estado de São Paulo.

A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo tem realizado um trabalho contínuo com as equipes do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão nas Diretorias Regionais de Educação. Além do contato com as famílias dos estudantes com deficiência, os professores do Atendimento Educacional Especializado neste momento estão auxiliando os professores da classe comum no planejamento das atividades, orientando quanto à utilização de recursos pedagógicos acessíveis aos estudantes. Já pensando nas famílias que não têm acesso à internet e/ou equipamentos, como computador, tablet, smartphone, o material intitulado “Trilhas de Aprendizagens”, foi disponibilizado, impresso e entregue nas residências dos estudantes.
Meios para não deixar ninguém para trás
O Instituto Rodrigo Mendes promoveu uma série de webinários no mês de junho e lançou, no dia 3/7, uma pesquisa sobre os protocolos da educação inclusiva para o retorno às aulas adotados por 23 países e organismos internacionais. Segundo o estudo, a maior parte dos protocolos internacionais, além dos especialistas estrangeiros consultados, considera que não há relação entre deficiência e proibição automática da volta às aulas. Os únicos fatores a considerar devem estar associados a eventuais comorbidades que tornem a criança ou o adolescente mais vulnerável à Covid-19.

A análise deve ser feita caso a caso, envolvendo escolas, médicos, famílias e estudantes. Se o aluno precisar de um cuidador, intérprete de língua de sinais ou outro profissional de apoio, essa pessoa poderá acompanhá-lo nas aulas, desde que não apresente nenhum sintoma da doença.

O relatório aponta ainda a necessidade de monitoramento da presença e da assiduidade dos estudantes com deficiência, visando evitar um aumento da evasão escolar.

Durante a live de divulgação dos dados da pesquisa, Rodrigo Mendes, presidente do IRM, destacou que “a deficiência por si só não deve significar a proibição da volta”. Segundo ele, há ponto sensíveis nesse contexto. “Detectamos uma chance de que a pandemia pode aumentar a evasão escolar, principalmente com relação às crianças com deficiência”. A volta às aulas pode garantir, por outro lado, uma janela na luta pela educação de qualidade mais equânime, transformando o processo de educação e fortalecendo as barreiras de aprendizagem.

Sobre recomendações sanitárias, o estudo aponta que:
Crianças e jovens com deficiência que apresentam dificuldades ou impossibilidade para a execução da lavagem ou desinfecção adequada das mãos precisam receber apoio;

Estudantes que usam cadeiras de rodas devem lavar as mãos com frequência, além de poderem optar por usar luvas descartáveis e ter sempre álcool em gel à sua disposição. Outros equipamentos como bengalas, óculos, cadeiras higiênicas, implantes, próteses auditivas e corporais merecem atenção e cuidados;

Todos os estudantes, professores e funcionários precisam ser treinados sobre a implementação das medidas de higiene.

A pesquisa ressalta, ainda, a importância de fazer uma avaliação diagnóstica de como foi a aprendizagem durante o isolamento e, a partir dos resultados, criar diferentes estratégias para reduzir eventuais defasagens. Dentre elas, estão aulas de reforço no contraturno, medidas de aprendizagem a distância, aulas extras em períodos de férias escolares e acompanhamento individualizado dos alunos com deficiência.

Vale ressaltar que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas), tem uma plataforma gratuita intitulada “Busca Ativa Escolar” para ajudar os municípios a combater a exclusão escolar. A intenção é apoiar os governos na identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão. Por meio da Busca Ativa Escolar, municípios e estados terão dados concretos que possibilitam planejar, desenvolver e implementar políticas públicas que contribuam para a inclusão escolar. A plataforma reúne representantes de diferentes áreas – Educação, Saúde, Assistência Social, Planejamento – dentro de uma mesma plataforma.

Cada pessoa ou grupo tem um papel específico, que vai desde a identificação de uma criança ou adolescente fora da escola até a tomada das providências necessárias para a matrícula e a permanência do aluno na escola. Todo o processo é feito pela internet e a ferramenta pode ser acessada em qualquer dispositivo como computadores de mesa, computadores portáteis, tablets, celulares (SMS) ou celulares (smartphones). Há também formulários impressos para agentes comunitários e técnicos verificadores que não têm acesso a dispositivos móveis.

Luiza Correa, Coordenadora de Advocacy do Instituto Rodrigo Mendes, afirma que as barreira sociais em meio a um cenário tão novo e desafiador são maiores para crianças e jovens periféricos e de comunidades mais isoladas. “A pesquisa que realizamos nos leva a concluir que políticas públicas voltadas à Educação de pessoas com deficiência durante o período da pandemia do novo coronavírus precisam considerar que, independentemente da complexidade do momento, a preservação do direito à Educação deve ser a premissa prioritária para a criação de quaisquer medidas e procedimentos. Gestores públicos, diretores de escolas e educadores têm o papel de cuidar para que os estudantes com deficiência não sejam excluídos, desmotivados ou deixem de estudar. Nos casos em que o acesso à internet e a computadores, além de tecnologias assistivas, não for uma opção, é preciso viabilizar infraestrutura alternativa como aulas por meio de televisão e rádio, sempre pensando nos recursos de acessibilidade e também disponibilizando outros materiais didáticos acessíveis. É responsabilidade de todos prevenir contra consequências discriminatórias e de aprofundamento das desigualdades”.
Visão do especialista
Quando o assunto é o pós pandemia os entrevistados também mostram-se inseguros e preocupados. “É difícil saber como será o mundo, podemos apenas especular. É possível que exista um período de transição até que a população tenha acesso amplo à vacina e que logo volte ao habitual”, relata o professor da USP, indo de encontro ao pensamento de Luiza, que faz um alerta para que respeitemos os estudantes, sua individualidade e sua saúde mental. “A sociedade está diante do desafio de reconstruir as normas sociais que irão vigorar no pós pandemia. Todos passamos por um momento de grave crise e, portanto, a retomada deve ser gradual, respeitosa e construída em diálogo entre os diversos atores sociais envolvidos na questão”.

A Pedagoga com habilitação em deficiência intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Educação Inclusiva pelo Institute of Education – University of London, Raquel Paganelli Antun, faz um balanço sobre os impactos provocados pela pandemia na vida de um jovem no processo de ensino fundamental. “O que percebemos, é que a pandemia, de modo geral, vêm acelerando o potencial de exclusão de certos grupos historicamente marginalizados no que tange o direito à educação. As aulas remotas, condicionadas ao acesso às tecnologias digitais, evidenciam as desigualdades neste sentido”.

O material mais recente realizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), apresentou que 58% dos domicílios brasileiros não possui computador e 33% não tem internet.

Diante dessa realidade, a solução encontrada pela maioria das escolas públicas no contexto da pandemia foi eximir tais estudantes de quaisquer responsabilidades, inclusive a frequência, garantindo a progressão automática como se fosse suficiente. Se para os demais, que têm acesso a recursos tecnológicos e portanto às aulas remotas, os impactos decorrentes do despreparo dos professores, da restrita interação com pares, entre outros fatores, são inegáveis, quanto mais para estes que sequer acessaram as aulas: estão completamente excluídos da educação durante todo o período de confinamento.
Essa reportagem foi produzida com o apoio da Énois Laboratório de Jornalismo, por meio do projeto Jornalismo e Território.
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