Janaína dantas
31/05/2021

Geração nem-nem: jovens de favelas e periferias são menos favorecidos na hora de buscar oportunidades

Dos jovens brasileiros que não trabalham e nem estudam, 36,3% estão procurando trabalho, 44% estão cuidando de parentes e 79% estão dedicados a trabalhos domésticos
“Geração nem-nem”, você já ouviu falar? O termo é usado para designar jovens, de 15 a 29 anos, que estão fora do mercado de trabalho e de instituições educacionais. No Brasil, de acordo com um levantamento feito pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), no último trimestre de 2020, a porcentagem de jovens que se enquadram nesse cenário era de 25,5%. Para muitos, essa posição é causada por falta de interesse e preguiça, mas a Tese Social de Impacto em Empregabilidade feita pela Artemisia mostra que a realidade é outra: falta oportunidade e apoio, principalmente para quem é de favelas e periferias.

A organização que apoia e fomenta negócios de impacto social usou como referência para a tese mais de 100 estudos sobre o tema e realizou mais de 20 entrevistas com players do setor com o objetivo de apresentar os principais desafios de empregabilidade que a população em situação de vulnerabilidade econômica.

Um dos pontos apresentados pelo levantamento foi a educação defasada nas escolas públicas. O ensino, que vai de mal a pior, dificulta a qualificação e permite que jovens cheguem ao ensino médio, ou até terminem essa fase, como analfabetos funcionais, ou seja, possuem limitação para ler, interpretar textos e executar operações básicas de matemática. No Brasil, em 2018, 29% da população entre 15 e 64 anos se enquadravam nesse perfil. 52% dos empresários entrevistados pela organização também apontam que esse déficit é o maior obstáculo na hora da contratação.

Além disso, outra dificuldade encontrada é a geográfica, visto que existem 100x menos postos de trabalho para quem mora nas periferias. Para contextualizar, a organização usou um estudo feito pela USP em 2019 que mostra que um morador da região da Avenida Paulista tem, em um raio de distância que pode ser percorrido em 30 minutos de transporte público, mais de 1,3 milhão de postos de trabalho. Já quem mora na Cidade Tiradentes, por exemplo, tem acesso a pouco mais de 13 mil postos de trabalho levando em consideração as mesmas condições de tempo de transporte público e o mesmo raio de distância.

Por fim, a tese aponta que, dos jovens que estão sem trabalhar e sem estudar, 36,3% estão procurando trabalho, 44% estão cuidando de parentes e 79% estão dedicados a trabalhos domésticos, o que reforça o argumento que eles não estão necessariamente inativos.
Maria Evelyn R. Evaristo, moradora da Favela da Vila Prudente, tem 19 anos e está sentindo na pele o que é isso. A jovem terminou a escola em 2018 e desde então vem buscando uma colocação no mercado, mas sem sucesso. Para ela, a maior dificuldade está na procura das empresas por pessoas com muita experiência.

Entrevistas em locais distantes também é um desafio apontado pela jovem. Além do tempo percorrido, há um outro problema: o dinheiro. “Avenida Paulista, por exemplo, até que é perto, mas eu falo que é longe porque eu não tenho o dinheiro da condução, então complica”. Além disso, a jovem diz sentir um olhar diferente quando o entrevistador sabe que mora em favela. “Só por ser de favela, acha que a gente vai roubar, que a gente vai fazer corpo mole. Mas quem mora em favela sabe que a gente não faz corpo mole, nem nada. A gente luta pra ter o pão de cada dia na nossa mesa”, complementa ela.

Maria Evelyn
Jovem procura primeira oportunidade de emprego
Maria é um exemplo dessa luta. Ela fez o curso básico de Excel no Vozes das Periferias, que oferece capacitação profissional gratuita a jovens e adultos, e atualmente está fazendo um módulo mais completo em outra instituição justamente para ter mais expertise na hora de procurar um emprego. Entretanto, a sequência de “não” tem a desanimado um pouco. “Eu até penso em desistir. Parece que o pessoal olha para minha cara e pensa ‘ah, não tem força de vontade’. Mas eu tenho força de vontade, sim. Mas mesmo que seja difícil, estou lutando”.
Além da qualificação profissional, o Vozes das Periferias tem a missão de conectar esses jovens a oportunidades de trabalho para gerar renda e cidadania nas favelas e periferias diminuindo, portanto, o gap que existe atualmente na sociedade. Lucas Alves da Silva, 20 anos, foi um dos jovens atendidos pelo Instituto nesse sentido.

O jovem mora em São Mateus, Zona Leste, e vinha há um tempo procurando oportunidade no mercado de trabalho. Esforçado, ele atualmente faz um curso técnico em administração e também já havia feito o curso de excel no Vozes das Periferias.

Em sua busca por uma oportunidade, sua maior dificuldade foi em relação à bagagem que as empresas exigem já que, sendo novo, acaba sendo um pouco mais difícil atender as expectativas do mercado. Porém, com a nossa ajuda e sua dedicação, o tal sonhado sim chegou recentemente e hoje Lucas faz parte do time da Hershey 's, uma das maiores fabricantes de chocolate do mundo.


Lucas Silva
Jovem fez o curso de Excel no Vozes das Periferias
O local de trabalho é em Pinheiros, Zona Sul de São Paulo, e o jovem leva, em média, 1h50 no trajeto entre casa e escritório. “É bem corrido, fica meio distante: tenho que pegar ônibus, tenho que pegar metrô, tenho que pegar trem. Então, não é uma rotina fácil, mas temos que correr atrás daquilo que a gente quer”, ressalta.

Para quem está procurando uma nova oportunidade, Lucas aconselha a se aproximar de quem está te entrevistando. “Você tem que saber conversar e convencer aquela pessoa que você merece estar ali dentro. Capacidade conta, estudo conta, mas você saber convencê-la é essencial também”, finaliza.
Outra jovem que alcançou uma colocação no mercado de trabalho por meio das pontes que o Vozes constrói foi a Stheffani Araújo, de 20 anos, e também moradora do bairro de São Mateus.

Há seis meses, ela conseguiu uma colocação em uma unidade do Grupo Hemasa da Honda Daitan por meio do programa jovem aprendiz, indicada pelo Instituto. “Tem sido muito gratificante ingressar no mercado de trabalho em uma empresa de grande porte, é muito importante para minha vida profissional e para o meu currículo. Tenho aprendido muito, sou grata ao Instituto Vozes das Periferias pela indicação ter acreditado em mim”, afirma Stheffani sobre a importância da criação de oportunidades para jovens periféricos no mercado de trabalho.


Stheffani Araújo
Jovem conquistou o cargo de Menor Aprendiz após indicação do Vozes das Periferias
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